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Relato de caso: Coleção hemorrágica extra axial no sistema nervoso central de uma criança infectada pelo sars-cov-2.


  

Em 30 de junho de 2020 a Organização Mundial da Saúde declarou emergência mundial em saúde púbica devido à pandemia da COVID-19. Desde então, as mortes causadas pelo vírus já ultrapassam 2 milhões, demonstrando o impacto desta doença (WHO, 2021).


O coronavirus pertence a uma família predominantemente responsável por infecções respiratórias, descrito pela primeira vez em 1965. Até agora, seis tipos de coronavirus são conhecidos, com o SARS-CoV-2 tendo sido descrito na China em 2019. Trata-se de um retrovírus, com grande variabilidade genética e, portanto, altas taxas de mutações.

Embora os sintomas mais frequentes da doença sejam respiratórios, são relatadas múltiplas outras manifestações, incluindo alterações do sistema nervoso central (SNC) e do sistema circulatório. Estima-se que até um terço dos pacientes com a COVID-19 manifestarão algum sintoma neurológico, variando desde alterações leves, como anosmia (perda do olfato), até situações graves como acidentes vasculares encefálicos (AVE), crises convulsivas e encefalite.

 

Descrição de caso:


Em 03 de Dezembro de 2020, o menor N.M., 1 ano e 5 meses de idade, foi atendido em Unidade de Pronto atendimento (UPA) da cidade de Curitiba com sintomas de resfriado, febre e tosse. Foi realizado teste de RT-PCR para SARS-CoV-2, o qual resultou positivo, tendo sido prescrito tratamento habitual, com medicações para alívio sintomático.

Oito dias após o atendimento, o paciente apresentou alteração de marcha, seguida por crise convulsiva focal, motivo pelo qual foi encaminhado ao Hospital Universitário Evangélico Mackenzie (HUEM) para investigação do quadro.


À admissão, o paciente encontrava-se em bom estado geral, afebril e com oximetria capilar normal. O exame neurológico evidenciava apenas "clônus" nos membros inferiores, sem outras alterações. Os exames laboratoriais resultaram normais. Foi realizada uma ressonância magnética do encéfalo, a qual demonstrou imagem cística em localização extra axial, situada na convexidade frontoparietal direita, com volume de aproximadamente 12 ml, apresentando sinais sugestivos de conteúdo hemorrágico no seu interior.


Foi optado por tratamento conservador e seguimento clínico, com realização de nova Ressonância magnética quarenta e cinco dias após o primeiro exame, a qual demonstrou reabsorção espontânea da coleção hemática extra axial, restando apenas discreto espessamento meníngeo e realce pelo meio de contraste. O paciente permaneceu sem novas alterações desde então.



Figura 1: Imagem de RNM sagital T1 demonstra coleção extra axial localizada na alta convexidade da região frontoparietal direita, com conteúdo apresentando discreto aumento de sinal.




Figura 2: Imagem de RNM coronal T2 com reabsorção quase completa da coleção extra-axial na alta convexidade frontoparietal direita, observando-se pequena imagem cística residual com alto sinal, semelhante ao líquor. Associa-se remodelamento ósseo adjacente.



Figura 3: Imagem de RNM sagital T1 após a admnistração de contraste paramagnético demonstra realce paquimenínge adjacente ao sítio da coleção.



Figura 4: Imagem de RNM coronal T1 após a admnistração de contraste paragmagnético cemonstra completa reabsorção da coleção hemorrágica extra-axial após 45 dias.



Discussão


Esse relato descreve um caso de coleção hemorrágica extra axial em paciente pediátrico com história de coleção hemorrágica extra axial, oito dias após o diagnóstico da COVID-19 por swab nasofaríngeo, tendo evoluído para resolução espontânea 45 dias após.

 

A maioria das coleções hemorrágicas extra axiais são resultados de traumatismos cranioencefálicos, no entanto, no presente caso não houve relato de evento traumático prévio, corroborando a hipótese de etiologia pós-infecciosa. Em geral, durante a infecção pelo SARS-CoV-2 observa-se intensa resposta inflamatória mediada por citocinas que acarretam dano direto ao endotélio vascular, tornando-os susceptíveis a roturas. Acredita-se que esta pode ser uma explicação para os casos de coleções hemorrágicas secundárias à COVID-19.


Não há casos semelhantes de coleção extra axial associadas a infecção pelo SARS-CoV-2 relatados até o presente momento. Há poucos estudos que abordam manifestações e complicações da COVID-19 na população pediátrica, devido à baixa virulência nesses pacientes.

 

Apesar do reconhecimento de manifestações da COVID-19 avançarem rapidamente, ainda há carência de estudos na literatura que detalhem a fisiopatologia da infecção pelo SARS-CoV-2 nos diferentes sistemas do organismo. Relatos de casos como este estabelecem precedentes para investigações futuras do comportamento clínico da COVID-19 nas diferentes faixas etárias. Este relato, descreveu a infecção pelo SARS-CoV-2 como diagnóstico diferencial em quadro neurológico de paciente pediátrico, o que é raramente descrito na literatura.



Dra. Giovanna Martins

CRM-GO 41.536